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Octavio Frias de Oliveira: O comerciante que era repórter e vice-versa
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CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Um dado dia de 1975, a Redação de "O Estado de S. Paulo", então considerado o jornal mais importante do Brasil, chegou à conclusão de que a Folha fora melhor em determinada cobertura.
Embora Cláudio Abramo, um dos principais jornalistas brasileiros de todos os tempos, tivesse deixado há algum tempo o comando de sua Redação, uma frase sua assombrava os jornalistas da casa, como se fosse bíblica: "O grande jornal se conhece nos grandes assuntos".
Se era assim, a conclusão inescapável era a de que a Folha, um jornal tido como menor à época, estava não só se tornando grande como emparelhando com o concorrente mais tradicional.
Como era assistente do editor-chefe do "Estado" e, nessa condição, despachava diariamente com o diretor de Redação, Júlio de Mesquita Neto, tocou-me levar essa constatação a ele.
"Dr. Júlio", comecei, "a Folha foi muito bem nessa cobertura, parece...".
O diretor cortou-me antes que pudesse concluir: "Frias é um comerciante, jamais fará um bom jornal".
Frias, obviamente, era Octavio Frias de Oliveira, o publisher da Folha.
Foi um erro colossal da família Mesquita.
Frias, de fato, era um comerciante assumido. Mas conseguiu fazer um grande jornal, que logo se tornaria não só o de maior circulação no país, mas também o que mais repercute no mundo relativamente pequeno dos leitores de jornal e nos ambientes político, empresarial, sindical, acadêmico e da sociedade civil em geral.
Sempre que alguém o tratava como "doutor" ou "jornalista", Frias rebatia, até com certa rudeza: "Não sou doutor (ou jornalista). Sou comerciante".
Mas um comerciante pode, sim, fazer um grande jornal, desde que tenha, como Frias tinha, paixão pela notícia, pela grande notícia, é bom especificar.
João Wainer-24.mar.2006/Folhapress | ||
Octavio Frias de Oliveira (1912-2007) em sua sala no nono andar da sede da Folha, no centro de São Paulo |
PAVOR DAS DÍVIDAS
Numa época em que a missão do jornalismo era vendida como civilizatória, pedagógica, chocava os puritanos e um bom número de jornalistas a ideia de que fosse também um negócio.
Só entendi o espírito da coisa um pouco mais tarde, quando já havia me transferido para a Folha. Era correspondente em Buenos Aires e, nas férias, em uma de minhas visitas ao "velho", como o chamávamos, queixei-me de estar demasiado confinado a Buenos Aires. Queria viajar mais pela América Latina.
Frias cortou logo o papo com uma frase que não consegui esquecer, mesmo passados quase 30 anos. "O que você prefere? Viajar mais ou ter a independência que tem para escrever o que quiser?".
Decodificando: na cabeça do publisher, viajar muito impõe gastos que podem comprometer a saúde financeira da empresa. Sem a higidez financeira, a independência corre riscos.
Nessa conversa, banal e rápida, deu, ainda assim, para entender a combinação negócio/jornalismo que transformou a Folha no que é hoje. Admito que até agora continuo preferindo ambas as coisas, viajar muito e ter a independência que tenho.
Mas passei a entender que a saúde financeira do negócio é tão essencial para o jornalismo como uma ótima reportagem.
Frias era obcecado com a fortaleza da empresa que comandava. Certamente fruto de sua tumultuada vida empresarial anterior, tinha pavor do que chamava "entrar no vermelho", gastar mais do que arrecadar, o que significaria ficar devendo.
Muitas vezes, nas conversas das tardes em que o noticiário não fervia, contava sua angústia no tempo em que corria de um banco para outro, no velho centro financeiro de São Paulo, para empinar um "papagaio" e cobrir, com ele, o "papagaio" a vencer no banco ao lado.
Talvez por isso, antes de fazer jornal, quis sanear a empresa.
ALIANÇA IMPROVÁVEL
Como estava no jornal concorrente, não sei dizer em que momento a Folha sentiu que havia ganho musculatura suficiente para disputar a liderança com "O Estado".
Mas 1975 pode ser considerado um ano da inflexão. De lá para a frente, o comerciante vestiu-se também de jornalista, sem jamais abandonar o rótulo que preferia.
É razoável supor que a transição de um só traje para ambos tenha sido influenciada pela coragem de trazer Cláudio Abramo para chefiar a Redação, em 1965.
Cláudio dirigira "O Estado" por dez anos, e sua aliança com Frias era, em tese, improvável. Genial no que fazia, temperamental ao extremo, Cláudio era de esquerda (dizia-se trotskista). Frias, também de temperamento forte, era um fervoroso adepto da livre iniciativa.
Talvez ambos tenham se dado bem porque Frias gostou de vestir também o traje de repórter.
É conhecido o seu furo mais importante, o de anunciar que o presidente Tancredo Neves havia sido operado, horas antes de tomar posse, em 1984, de um tumor benigno e não de diverticulite, como dizia a história oficial.
Notícia era outra obsessão, ao lado de um negócio sadio. Um dado dia de 1999, ele invadiu minha salinha no nono andar com a informação de que um diretor do Banco Central estava prestes a pedir demissão.
Disse-lhe que, se alguém se dera ao trabalho de telefonar para ele com essa informação, o demissionário deveria ser Gustavo Franco, o presidente da instituição, não um diretor qualquer, e a saída significaria mudança da política cambial.
"Vamos apurar", açulou Frias. Passamos a tarde apurando, cada um no seu canto, a noite chegou, o primeiro clichê fechou, o nono andar ficou vazio, exceto por nós dois mais Vera Lia Roberto, a eterna secretária do "velho".
O horário do segundo clichê se avizinhava quando ele me chamou para dizer, eufórico, triunfante: "Confirmei. É mesmo o Gustavo Franco, que já está limpando as gavetas. Você faz o texto?".
Fiz, ainda ressabiado e pensando na frase de Júlio de Mesquita Neto, que ouvi 24 anos antes: como é que um comerciante consegue ser tão repórter a ponto de "furar" todos os demais?
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