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Retratos da China

11/05/2005

Governo chinês tem postura ambígua quanto à pirataria

CLÁUDIA TREVISAN
Especial para a Folha Online

A pirataria é algo institucionalizado na China. Os falsos Chanel, Dior, Armani, Nike, Rolex e uma infinidade de marcas que exigiriam mais de uma coluna para serem relacionadas são vendidos não em acanhadas barraquinhas nas ruas, mas em centros comerciais de quatro ou cinco andares.

O mais clássico endereço das falsificações em Pequim é a Rua da Seda, que no início do ano deixou o longo corredor ao ar livre em que funcionava e foi transferida a um shopping center recém construído. O objetivo da troca era forçar os lojistas a abandonarem os produtos falsos e oferecerem legítimas marcas chinesas, mas nada mudou, até porque seria difícil atrair clientes sem o apelo das grifes internacionais.

Comprar falsificações é um programa obrigatório dos turistas em Pequim. No Ya Show, especializado em roupas e sapatos, é comum ver americanos e europeus deixarem o local com malas cheias de mercadorias. O apelo é irresistível. Casacos Hugo Boss perfeitos podem ser encontrados pelo equivalente a R$ 50,00. Blusas de lã da Banana Republic saem por R$ 24,00 e um casaco Burberry custa não mais que R$ 60,00. As malas também são falsificadas e custam uma fração do preço das marcas legítimas.

A Rua da Seda é o ponto de venda mais eclético e oferece roupas, sapatos, tênis, relógios, bolsas e artigos esportivos, incluindo tacos de golfe. O Mercado das Pérolas vende pérolas verdadeiras e uma infinidade de produtos eletrônicos, bolsas, malas, tênis e óculos, todos falsos.

Além disso, em toda a cidade de Pequim há várias lojas de DVDs e CDs pirata, que saem pelo equivalente a R$ 3,00. Quando morava lá, eu não conhecia ninguém que não tivesse uma enorme coleção de filmes, séries de televisão, shows ou documentários.

As lojas de DVDs poderiam ser confundidas com negócios que oferecem produtos legítimos, não fosse pelo preço que cobram. Os títulos são dispostos em estantes e normalmente divididos por gênero. Todas as séries de sucesso norte-americanas, de "Friends" a "Six Feet Under", podem ser encontradas. Nenhuma delas é transmitida pela TV local e a maioria não passaria pela rigorosa censura chinesa, mas são acessíveis a qualquer jovem do país.

É claro que há inconvenientes. Nem sempre a legenda do DVD corresponde ao filme comprado e às vezes nem o próprio filme é o que está impresso no disco --antes de voltar ao Brasil eu comprei a quarta temporada do "Six Feet Under" e descobri já em São Paulo que todos os episódios eram da primeira temporada. Mas nada se compara à frustração de o DVD simplesmente travar no momento de maior suspense ou romance do filme. Mas por R$ 3,00, não se pode esperar a perfeição.

A China é pressionada pelos países desenvolvidos a combater a pirataria, que gera milhões de dólares em prejuízo. O problema é que a indústria emprega milhares de chineses dentro do país e movimenta uma montanha de dinheiro. Diante do impasse, o governo tolera a pirataria, mas adota um discurso oficial de reprovação da prática. O retrato dessa ambigüidade está no Ya Show: enquanto centenas de lojistas vendem produtos falsos, cartazes espalhados pelo local alertam o consumidor de que a pirataria é crime e divulga um número de telefone oficial para a denúncia da prática.
Claudia Trevisan, colunista da Folha Online, foi correspondente da Folha de S.Paulo em Pequim até abril de 2005. Atualmente é repórter da editoria de Brasil. Também trabalhou em Buenos Aires como correspondente do jornal Valor Econômico.

E-mail: ctrevisan@folhasp.com.br

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