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Retratos da China

22/03/2005

Praças e parques de Pequim ainda resistem à ocidentalização

CLÁUDIA TREVISAN
da Folha de S.Paulo, em Pequim

Andar pelas praças e parques de Pequim é ser transportado a um tempo que não foi afetado pelo vertiginoso crescimento das duas últimas décadas, que varreu a maior parte dos antigos bairros da cidade e trouxe a ocidentalização a bordo de redes de fast-food, danceterias e arranha-céus.

Casais de chineses continuam a se reunir em improvisados salões de bailes ao ar livre, nos quais dançam por horas ao lado de apressados pedestres. A música vem normalmente de aparelhos de som acomodados na garupa de uma das bicicletas estacionadas nas proximidades.

Claudia Trevisan/Folha Imagem
Chineses cantam no Templo do Céu, em Pequim
Grupos de homens e mulheres também se reúnem para cantar, jogar cartas, tocar instrumentos, praticar tai chi e fazer ginástica, sempre ao ar livre. O amanhecer de Pequim tem uma paisagem humana peculiar, com uma infinidade de pessoas se exercitando em conjunto nas calçadas, parques e praças.

Os homens, especialmente os mais velhos, também se encontram para duas atividades totalmente lúdicas: soltar papagaios e levar seus pássaros para cantar ao lado de outros pássaros.

As pipas não são domínio exclusivo da infância. Nos parques, é comum encontrar senhores grisalhos segurando longas linhas e olhando longe para o céu. O passeio dos pássaros é uma tradição imperial, na qual os homens levam seus animais para praças e penduram as gaiolas em árvores, ao lado de outras trazidas por seus amigos. Enquanto os pássaros cantam, os homens conversam ou jogam, por horas a fio.

Todas essas atividades possuem um ar de inocência mais associado à vida no campo do que na cidade e têm a característica comum de serem realizadas sempre em conjunto. A grande dúvida é saber por quanto tempo elas irão sobreviver.

A vida comunitária reflete em grande parte a maneira como a maioria dos chineses morava --e muitos ainda moram-- nas grandes cidades. Os tradicionais hutongs são estreitas ruas com um amontoado de pequenas casas que "empurram" as pessoas para a rua. Neles, a privacidade é limitada, as cozinhas costumam ser ao ar livre, os vizinhos são tremendamente próximos e até o banheiro é comunitário.

Depois de um passeio por alguns hutongs é inevitável admitir que o conforto de um apartamento é infinitamente maior. Mas também é inescapável a nostalgia de algo que ainda existe, mas que parece fadado à extinção. E é melancólico imaginar casais de chineses sentados no domingo à tarde em frente à televisão diante do equivalente nacional de Faustão ou Silvio Santos e não dançando ou cantando com seus vizinhos ao ar livre.

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    Claudia Trevisan, colunista da Folha Online, foi correspondente da Folha de S.Paulo em Pequim até abril de 2005. Atualmente é repórter da editoria de Brasil. Também trabalhou em Buenos Aires como correspondente do jornal Valor Econômico.

    E-mail: ctrevisan@folhasp.com.br

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