Economista deu a volta ao mundo para vender saúde via SMS no Brasil
Michael Kapps, 27, fez um caminho tortuoso até o empreendedorismo social no Brasil. Nascido em Moscou, mudou com a família da Rússia para o Canadá, onde foi criado. Fez faculdade nos Estados Unidos, mas antes passou uma temporada na África como voluntário, quando fundou uma ONG em Gana com amigos.
Uma "volta" ao mundo que o fez chegar ao Pantanal, quando ainda era estudante de economia na prestigiosa Universidade Harvard.
"Estava muito estressado na faculdade. Quis dar um tempo e viver uma experiência diferente. Meus pais acharam estranho, mas fui morar no Pantanal, tocando gado numa fazenda, por uns quatro meses", relata, sobre o "emprego" para o qual foi indicado por um amigo.
Não sabia falar português, mas diz ter aprendido o idioma andando a cavalo com dicionário na mão e enchendo de perguntas os demais vaqueiros da fazenda.
"Eu me encantei com o Brasil. Me senti muito mais brasileiro do que russo, canadense ou americano."
Voltou com energia para concluir a universidade e foi trabalhar na gigante de consultoria McKinsey, em Palo Alto, na Califórnia, prestando serviços para indústria farmacêutica e grandes hospitais. "Mas sempre pensei em criar algo que pudesse mudar a vida das pessoas e em escala."
A temporada em Mato Grosso, diz ele, também serviu para perceber que havia "bastante potencial e oportunidades para mudar o sistema de saúde no Brasil".
Kapps começou a trocar ideias com o brasileiro Juliano Froehner, 40, ex-aluno de Harvard como ele, seu futuro sócio na Tá.Na.Hora Saúde Digital.
O negócio de impacto social foi criado há quase três anos com o objetivo de atender grandes populações e áreas caras ao poder público, como primeira infância, saúde da família, doenças crônicas -entre elas obesidade, hipertensão e diabetes- e epidemias como dengue.
"Queríamos achar uma solução para a saúde que se encaixasse na realidade brasileira, que as pessoas pudessem incorporar na vida delas", afirma Kapps. "Dar um Fitbit [monitor de passos digital] para todos não é viável no Brasil, por isso temos que 'tropicalizar' a tecnologia."
Para garantir que o serviço chegue ao maior número possível de pessoas, os empreendedores recorreram a uma tecnologia que existe desde os anos 1990 e que está na mão ou no bolso de 9 em cada 10 brasileiros: o bom e velho SMS, ou a popular mensagem de texto, via celular.
A saída achada por eles para ajudar pessoas com doenças crônicas ou condições específicas para melhor acompanhar sua saúde foi criar um serviço de mensagens personalizadas. Como o usuário não precisa ter acesso à internet nem baixar um aplicativo ou possuir smartphone, a adesão é maior.
"Nós queremos usar a tecnologia para mudar comportamento, educar as pessoas e tentar resolver alguns dos maiores problemas de saúde do país", diz o russo, em seu português fluente e com forte sotaque.
"Criamos um robozinho que consegue conversar com milhares de pessoas, de um jeito personalizado, auxiliando os profissionais de saúde."
No caso do SMSBebê, projeto em funcionamento em Rio Negrinho (SC), gestantes e mães de crianças de até três anos recebem mensagens com dicas sobre gravidez saudável e depois sobre saúde e desenvolvimento da criança.
"Ensinamos que não se deve colocar o bebê para ver novela e sim ler para ele. São dicas que têm base na neurociência", explica o cofundador da Tá.Na.Hora.
As mensagens para grávidas, por exemplo, falam sobre vínculo entre mãe, pai e bebê, exercícios físicos e alimentação e alertam para problemas comuns como infecção urinária.
MASSAGEM NOS PÉS
Para os pais de primeira viagem Jessica Engel, 18, e Jeferson Kwitschal, 21, as mensagens começaram a chegar desde a primeira consulta de pré-natal. Dicas que orientavam Kwitschal a cuidar da mulher e a fazer massagem a agradaram.
"Eu tinha medo do parto, mas as mensagens falaram para caminhar, para conversar com o pai e para pensar em coisas boas, e isso ajudou", diz ela.
Agora que a filha deles, Isabelly, está com sete meses, a mãe gosta de receber mensagens sobre tópicos de saúde, como a possibilidade de reação às vacinas, e sobre o desenvolvimento da bebê.
Segundo a Tá.Na.Hora, a taxa geral de resposta às mensagens é de aproximadamente 30%, chegando a mais de 60% entre as gestantes, público mais engajado.
BAIXO CUSTO
Os clientes desse tipo de serviço são prefeituras e planos de saúde. Também há empresas que querem encorajar práticas saudáveis entre seus funcionários. Hoje, são enviadas cerca de 57 mil mensagens de texto por mês, somando todos os serviços prestados pela Tá.Na.Hora.
Uma limitação da tecnologia é o custo para mandar SMS, entre R$ 1 a R$ 3 por pessoa por mês, cobrado dos clientes. Um valor relativamente baixo diante dos resultados e do alcance do serviço.
Um dos argumentos usados pelo empreendedor em suas andanças por órgãos públicos para vender o produto é aumentar o envolvimento dos pacientes por um baixo custo e em grande escala.
"Nós fazemos gestão de saúde populacional. Nossos concorrentes trabalham só nas classes A e B. Os outros 95% da população precisam de uma solução", diz Kapps.
Os fundadores afirmam que a Tá.Na.Hora deve faturar R$ 2 milhões em 2017 e que a expectativa é atingir o "break-even" (ponto de equilíbrio entre despesas e receitas) nos próximos 12 meses.
"Meu sonho é saber que minha empresa criou uma ferramenta que, de forma barata, está se espalhando por todo o Brasil. Espero que seja usada também no resto do mundo onde existem os mesmos problemas", diz Kapps.
Hoje, o empreendedor "globetrotter" (viajante frequente), que fez estágios em lugares como Ilhas Maurício, Emirados Árabes Unidos e Azerbaijão, mora em São Paulo e viaja com regularidade aos municípios catarinenses Joinville e Rio Negrinho, cidade natal do sócio, onde a Tá.Na.Hora também tem parte de suas operações.
MALÁRIA
Com tantas andanças, aos 17 anos, Kapps viveu uma experiência que moldou sua visão de empreendedorismo social em saúde.
"Tive Malária em Gana e lembro da primeira noite, com muita febre, sem saber o que era nem como chegar ao hospital. Foi traumático", recorda-se. "Eu deitei no chão e dormi na chuva, o que ajudou a baixar a febre."
No dia seguinte, foi para o hospital, comprou os medicamentos e logo estava curado. "Depois disso, pensei muito em saúde pública e em como fazer iniciativas em massa, trabalhar com populações", afirma o empreendedor que veio do frio. "Não quero simplesmente tratar as pessoas, mas mudar a forma como elas pensam a saúde."
DISSEMINAR INFORMAÇÕES
Para os pais de primeira viagem Jessica Engel, 18, e Jefferson Kwitschal, 21, as mensagens começaram a chegar desde a primeira consulta de pré-natal.
A cada SMS vinham orientações sobre o passo a passo da gestação e até sugestões para o futuro pai massagear os pés da companheira.
"Eu tinha medo do parto, mas as mensagens falaram para caminhar, para conversar com o pai e para pensar em coisas boas e isso ajudou", diz Jessica.
Após o nascimento da filha, Isabelly, que está com sete meses, a mãe continua a receber mensagens sobre o o desenvolvimento da bebê e dicas como possibilidade de reação às vacinas.
Cerca de 300 mães estão sendo monitoradas em Rio Negrinho (SC), onde a Tá.Na.Hora Saúde Digital realizou o piloto do SMS Bebê, programa de monitoramento de gestantes e bebês presente em quatro Estados.
A start-up social disponibiliza 50 programas diferentes voltadas para doenças ou questões de saúde diferentes, distribuídos em mais de 400 versões e adaptados para grupos demográficos específicos.
São enviadas atualmente 57 mil mensagens por mês, atingindo 40 mil famílias (estima-se 100 mil pessoas).
Na prática, as mensagens tentam influenciar o comportamento do paciente de forma positiva, encorajando práticas saudáveis e a adesão ao tratamento, se houver.
"Nós acreditamos que nem tudo na saúde se resolve com mais médicos ou mais medicamentos. Tentamos influenciar o comportamento humano usando o celular", diz Michael Kapps, cofundador da Tá.Na.Hora.
A equipe do serviço de saúde digital constrói "árvores" de perguntas e respostas que vão direcionando o "robô" que envia as mensagens, para que essas sejam adequadas às respostas dadas pelo usuário.
Os profissionais também estudam os horários em que as mensagens são enviadas e que tipo de SMS tem maior taxa de resposta, para que o engajamento seja cada vez maior.
IMPACTO
Um estudo clínico está em andamento para medir o impacto das mensagens frequentes via celular na saúde das famílias que fazem uso do SMSBebê.
Resultados preliminares indicam maior conhecimento da mãe e aumento da presença do pai no pré-natal; estão sendo monitorados outros quesitos como vacinação das crianças e desenvolvimento cerebral.
Flávia Trindade dos Santos, enfermeira da Unidade Básica de Saúde do bairro do Cruzeiro, em Rio Negrinho (SC), diz que os SMS enviados para gestantes e mães ajudam a reduzir as idas desnecessárias à unidade, já que muitas dicas orientam sobre ocorrências normais na gravidez e primeira infância.
Outro efeito das mensagens é aumentar a participação dos pais, que também podem se cadastrar para receber os SMS. "Nem todos podem vir às consultas de pré-natal, mas por receberem as mensagens acompanham melhor a gestação", diz ela.
As mensagens constantes acabam por criar vínculos. "É como um amigo virtual. Eu acordava e já ia olhar as mensagens", diz Marina Pereira, 31, que recebe os SMS desde o início da gestação do filho Matheus, hoje com um ano.
Em um estudo interno, foi identificado aumento de 10% de adesão aos medicamentos, 10% na taxa de vacinas em crianças cadastradas no SMS Bebê, e engajamento de 90% em pacientes em pré e pós-operatório.
"Da gravidez dos meus outros quatro filhos, ninguém me perguntava como eu estava me sentido. Às vezes, a gente se sente meio carente. No virtual eu tinha um amigo", relata Ilka Lemes, 43, sobre as mensagens de texto que lhe acompanharam durante a quinta gestação.
A Tá.Na.Hora investe no momento em um projeto piloto do SMS Especial, voltado aos pais de crianças com síndrome de Down, que vão recebam mensagens sobre saúde e desenvolvimento.
"Vamos mandar mensagens aos pais e parentes para garantir a estimulação das crianças e depois também para empoderar os adolescentes e eles possam entrar no mercado de trabalho", afirma Michael Kapps, o cofundador do negócio social de saúde digital.
VACINA DA DENGUE
Outro projeto em andamento é com o Instituto Butantan, de São Paulo. Por meio do sistema da Tá.Na.Hora, os pesquisadores usam SMS para o estudo clínico com brasileiros que estão testando uma vacina da Dengue
Desde fevereiro, a Tá.Na.Hora monitora os 16.944 voluntários em 12 Estados. Eles serão acompanhados por cinco anos para medir a eficácia da imunização daquela que pode ser a primeira vacina desenvolvida pelo SUS.
É um projeto de R$ 300 milhões, financiado pelo governo federal em parceria com o Instituto Nacional de Saúde dos EUA.
A Tá.Na.Hora encarou o desafio de fazer parte de um estudo tão relevante. "Eles viram a oportunidade de trabalhar no desenvolvimento de uma vacina no sistema público, pelo SUS e para o SUS", afirma Ricardo Palacios, gerente de pesquisa do Instituto Butantan.
Os SMS disparados semanalmente possibilitam um acompanhamento mais ágil, com maior segurança e menor necessidade de visitas e telefonemas periódicos aos voluntários submetidos aos primeiros testes vacina contra a dengue.
Hoje, o SUS representa 50% do faturamento da Tá.Ná.Hora, os outros 50% são advindos de receitas do setor privado, no qual a start-up social está ligada a grandes empresas que fornecem o serviço a seus funcionários e planos de saúde nacionais, como os da Unimed, e regionais.
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Em um contexto de envelhecimento populacional, há um aumento no custo da saúde pública decorrente de doenças crônicas. No Brasil, esse problema é agravado pela desigualdade de acesso a informações médicas e ao custo de sua disseminação. Em um contexto de crise econômica no setor público, há potencial para alternativas que gerem aumento de eficiência na gestão de saúde populacional.
A Tá.Na.Hora é uma empresa que automatiza a gestão populacional de saúde por meio do uso de mensagens (SMS) para contatar pelo celular diretamente o usuário de sistemas de saúde. Atua em quatro segmentos: saúde pública (SUS), operadoras de saúde, grandes empresas e indústria farmacêutica.
Seu foco principal é o acompanhamento de pacientes em tratamento de doenças crônicas, gestação e primeira infância. A criação do negócio e a decisão pelo uso de uma tecnologia simples (SMS e não um aplicativo) implicam três inovações importantes:
1) A ideia de acompanhamento remoto -Michael Kapps teve a ideia de "criar um novo tipo de medicina", mais barata e eficiente. Essa "medicina do comportamento" teria um enfoque maior em prevenção de doenças por meio da mudança de hábitos e disseminação de informação. O empreendedor entende que o envelhecimento da população traz desafios que não são resolvidos "com mais médicos ou medicamentos". Para estudar o comportamento de pacientes, Kapps percebeu que seria necessária uma tecnologia facilmente escalável.
2) O sistema de disparo de SMS e a interação com os usuários - Para isso, decidiu criar um programa de SMS, que gerencia diálogos com os usuários. A Tá.Na.Hora vê o SMS como uma "tropicalização" de soluções baseadas em aplicativos, em um país em que o acesso à internet móvel ainda é uma barreira. Os SMS possibilitam uma conversa entre paciente e empresa de saúde, em uma solução barata e capaz de atingir todos os estratos da população brasileira.
3) A capacidade de adaptação deste sistema - A TNH se mostra capaz de adaptar seu serviço a vários tipos de clientes. Inicialmente voltada para redes de farmácias e lembretes de remédios, hoje a empresa atua no cuidado de gestantes, diabéticos, hipertensos, idosos, testes clínicos, entre outros.
A principal criação da Tá.Na.Hora é o seu software de desenvolvimento e envio de mensagens, capaz de aprender com os usuários para gerar interações mais engajadoras com o tempo. O sistema funciona por uma "árvore de decisões", desenvolvida pelos sócios (Michael Kapps e Juliano Froehner) e pelo time de programação, presente em Joinville (SC).
A "árvore de decisões" é uma estrutura de encadeamento de mensagens desenvolvida para cada programa da TNH, em que são planejadas quais mensagens serão enviadas para cada usuário, a depender de uma agenda relativa a sua condição (por exemplo, o dia esperado de parto, para gestantes) e das respostas desse(a) usuário(a) às mensagens interativas.
O conteúdo das mensagens é definido por uma equipe de jornalistas em parceria com um médico que elabora o protocolo de atendimento, no escritório de São Paulo. Os SMS são enviados em momentos específicos do tratamento ou da gestação, por exemplo. Além de dicas e lembretes, são enviadas também perguntas (se a pessoa teve febre, ou apresenta alguma dor). À medida que são respondidas, as mensagens subsequentes são selecionadas. Esse sistema permite que cada usuário receba um pacote customizado de informações, de acordo com suas condições.
Há quatro grandes produtos para a saúde pública atualmente no portfólio da Tá.Na.Hora:
1) SMSBebê: Programa de acompanhamento de gestação e primeira infância. As gestantes são cadastradas nas unidades de saúde dos municípios participantes e passam a receber SMS periódicos com informações e perguntas sobre sua saúde. As mensagens são customizadas a partir da data prevista de parto, para que cada paciente receba informações relevantes para o estágio de sua gravidez.
2) SMSEspecial: Programa desenvolvido em parceria com o Google.org e as Apaes de Santa Catarina que está em fase de implementação. As mensagens são enviadas para familiares e para pessoas com síndrome de Down com foco em desenvolvimento de autoestima e inclusão no mercado de trabalho.
3) SMSDengue: Programa em desenvolvimento com prefeituras da região Nordeste para controle epidêmico. As mensagens são enviadas para pacientes que tenham tido dengue e seus familiares, para ajudar no controle de focos da doença pelo poder público.
4) Vacina da dengue: O Tá.Na.Hora está envolvido no teste clínico da vacina contra a dengue em andamento pelo Instituto Butantan. O projeto, financiado integralmente pelo SUS, pode gerar uma vacina gratuita contra a doença. Os voluntários do teste devem reportar qualquer efeito adverso nos cinco anos seguintes à vacinação. Por meio da interação por SMS, o instituto espera garantir maior confiabilidade desse acompanhamento. Em última instância, isso pode levar à aprovação da vacina em menos tempo.
Como insistem os sócios Kapps e Juliano Froehner, a Tá.Na.Hora não pretende (e, legalmente, não poderia) substituir os médicos, mas ajudar os profissionais de saúde. Os clientes da TNH geralmente pretendem aumentar a eficiência no acompanhamento de seus pacientes - seja por visitação direta, no caso de UBS, ou por call centers, no caso de planos de saúde.
Michael Kapps nasceu na Rússia, pouco antes da queda do Muro de Berlim. Ainda criança, seus pais se mudaram para o Canadá, onde viveu até entrar na universidade, nos Estados Unidos. Começou a se interessar pela causa da saúde ainda adolescente. Com 15 anos, se tornou voluntário em um hospital, pois achava que queria ser médico. Aos 16, foi finalista, com o time do Canadá, das Olimpíadas Científicas, em um estudo de neurodesenvolvimento. Antes de entrar na Universidade Harvard (onde cursaria economia), se tornou voluntário em um hospital em Gana, na África. A partir da experiência, decidiu que não gostaria de ser médico, ao ver o "dia a dia da saúde". Segundo Kapps, a experiência acompanhando cirurgiões no hospital o fez pensar na saúde de forma mais holística. "O médico trata um paciente por vez, mas não resolve o problema do motivo que levou esse paciente ao hospital." Ainda em Gana, Kapps foi infectado com malária e teve de buscar tratamento no precário sistema de saúde do país. Quando estava deitado no corredor do hospital esperando o médico, percebeu que deveria se engajar na saúde pública. Kapps considera que a solução da malária não estava nos hospitais onde realiza-se o tratamento, mas na divulgação de informações para evitar que a doença se espalhe.
Já estudando em Harvard, voltou a Gana para abrir uma ONG com amigos, para promover educação em saúde e ajudar no cadastramento de pessoas em situação vulnerável no sistema de saúde público ganês. Kapps viu ali que a experiência em ONGs, mesmo que enriquecedora, não traria a escala que ele desejava, pois a maior parte do tempo era gasta pedindo dinheiro de doadores. Foi nesse momento que se reconheceu como empreendedor: queria usar sua facilidade em organizar pessoas para um fim comum, mas de forma mais escalável.
Em Harvard, estudou economia do desenvolvimento, de onde saiu para trabalhar na área farmacêutica e de saúde da consultoria McKinsey, no Vale do Silício. Um ano e meio depois, largou o emprego para empreender no Brasil. Ele já havia passado duas temporadas no país: uma num estágio em um fundo de investimento, e outra quando decidiu viver seu sonho de infância de ser vaqueiro, no Pantanal.
Kapps conversou com seu amigo Thomas Prufer, que conseguiu um investimento a fundo perdido de R$ 50 mil com seu pai, para iniciar a Tá.Na.Hora. A combinação de sua origem na Rússia e suas viagens a outros países em desenvolvimento deu a Kapps a paixão por investir e impactar a saúde pública de locais vulneráveis.
Nas conversas com Kapps sobre a Tá.Na.Hora, é perceptível sua militância na democratização da saúde, e sua percepção das mudanças sociais pelas quais passa o país. Esses dois pontos de vista são abordados pela TNH.
No quesito da democratização da saúde, a escolha da TNH de manter seu sistema atrelado a SMS, que não exige acesso à internet, ou o download de aplicativos em "app stores" (nem sempre compatíveis com todos os modelos de celulares) é uma forma de atingir o maior número de pessoas.
Ao perceber as mudanças demográficas no Brasil, Kapps considera que há importância crescente de tratar doenças crônicas, um dos usos do sistema do Tá.Na.Hora. A empresa se beneficiou da experiência de seu investidor anjo, Philippe Prufer. Pai do primeiro sócio de Kapps, Thomas Prufer, Philippe Prufer foi gerente mundial de uma grande indústria farmacêutica e conhecia a dificuldade de garantir a aderência ao tratamento de pacientes com depressão. Ao acompanhar os hábitos de pacientes que usavam o Prozac, por exemplo, ele constatou o que muitos paravam de tomar a medicação, pondo em risco o tratamento, quando se sentiam melhor. Para os donos da TNH, tais problemas não são resolvidos simplesmente com mais médicos, hospitais ou remédios, mas com engajamento e informação aos pacientes, o que eles oferecem por meio da tecnologia.
Kapps está no Brasil há três anos e já não se sente canadense ou russo. Seu grande envolvimento com o país fica claro no seu engajamento com o projeto. Anselmo Antunes, diretor comercial da TNH, diz que Kapps parece um empreendedor com 100 anos de experiência, mesmo com apenas 27. Na Artemísia, aceleradora que trabalha com a TNH desde o segundo semestre de 2014, Kapps é tido como uma referência na área de tecnologia e saúde.
A Tá.Na.Hora exerce um papel de empoderamento para as famílias impactadas. Esse efeito é mais forte entre as gestantes e mães que recebem mensagens do programa SMSBebê. Elas relatam mais confiança nos cuidados com os recém-nascidos, melhora no desenvolvimento da criança e maior participação dos maridos nas tarefas domésticas - fruto da conscientização que as mensagens pelo celular levam à família.
Internamente, há sensação comum de ganhos relevantes entre os colaboradores da TNH, nos três escritórios (São Paulo, Joinville e Rio Negrinho). Todos se sentem protagonistas de uma grande transformação na forma de se pensar a saúde pública, mais democrática e tecnológica. Essa sensação é fruto do engajamento demonstrado por Kapps com o projeto e com o país.
Há três níveis de mensuração do impacto direto gerado pela TNH.
1. A interação com as mensagens (quantas são enviadas por mês, quantas são respondidas, famílias impactadas)
Atualmente, são enviadas 57 mil mensagens por mês, atingindo 40 mil famílias (estima-se 100 mil pessoas). Hoje o SUS representa 50% do faturamento da TNH. Os outros 50% são advindos de receitas do setor privado no qual a TNH está ligada a grandes empresas que fornecem o serviço a seus funcionários e planos de saúde regionais (em especial a Unimed). No total, a empresa estima que 70% do seu público é da base da pirâmide social.
2. Efeitos dos SMS na saúde pública (em especial no SUS e em estudos clínicos epidemiológicos)
Os efeitos dessas mensagens na saúde pública são sentidos de duas formas. Há relatos não quantitativos da enfermeira que atende gestantes cadastradas no SMSBebê em uma UBS de Rio Negrinho sobre a diminuição do número de visitas de gestantes à unidade. Segundo ela, como os SMS explicam as transformações no corpo da gestante semana a semana, as futuras mães deixam de ir ao SUS por "qualquer dorzinha". As mensagens, segundo ela, reforçam o que "é o normal", acalmando as gestantes. Segundo Fabiana da Luz, coordenadora de primeira infância da Secretaria de Saúde de Rio Negrinho, a prefeitura da cidade já havia pensado em desenvolver um programa de SMS, que não foi implementado pela falta de conhecimento.
Há também impacto na interação com os pais, que recebem as mensagens e se engajam mais em tarefas domésticas, pois recebem informações sobre a condição das gestantes. Em um estudo interno, foi identificado aumento de 10% de adesão aos medicamentos, 10% na taxa de vacinas (de crianças cadastradas no SMSBebê), e engajamento de 90% em pacientes em pré e pós operatório.
Desde fevereiro de 2016, a TNH está em parceria com o Instituto Butantan para realização dos testes clínicos da vacina contra a dengue. Esse é um projeto de R$ 300 milhões, financiado pelo governo federal, em parceria com Instituto Nacional de Saúde dos EUA, e pode se tornar a primeira vacina desenvolvida pelo SUS. Com essa parceria, o instituto terá maior controle sobre os 16.944 voluntários que serão acompanhados por cinco anos para medir a eficácia da imunização. Os SMS semanais potencializam esse acompanhamento, com maior segurança e menor necessidade de visitas e telefonemas periódicos de enfermeiros.
3. Percepção de mudança nos cuidados pelos beneficiários diretos.
O terceiro ponto de impacto do Tá.Na.Hora é na ponta, nos beneficiários que recebem as mensagens pelo celular. Há dois tipos de beneficiários, o foco do acompanhamento (gestantes, diabéticos) e acompanhantes (pais, família, acompanhantes profissionais). Em Rio Negrinho, onde o programa SMSBebê existe há mais tempo, há muito apoio ao programa na Secretaria de Saúde do município, dos funcionários das UBS cadastradas e entre as beneficiárias.
A TNH funciona em três escritórios, distribuídos em três cidades diferentes. A sede está em Rio Negrinho, onde trabalham o sócio Juliano Froehner e os setores administrativo e financeiro. Em Joinville (SC), está o time de desenvolvimento, e, em São Paulo, trabalham Kapps, o time comercial, o time de contas e o de conteúdo.
A equipe se organiza em reuniões semanais, que chamam de "stand-up meetings". Todos ficam em pé para expor em 15 minutos o status dos projetos.