Cinco universitários criam site que ajuda a achar trabalho voluntário
A insatisfação com a vida corporativa da maior metrópole do país e com a graduação levou cinco amigos e estudantes de administração da Universidade de São Paulo (USP) a criarem o Atados, uma rede social gratuita que conecta voluntários a causas sociais.
Em meio às aulas, em casa ao final do dia ou na mesa do bar, um desejo sempre vinha à tona nas conversas entre Luis Madaleno, 25, Bruno Tataren, 24, Daniel Morais Assunção, 24, e André Cervi, 25: a vontade de empreender. Ainda sem direção certa para o projeto, os jovens só sabiam que iriam seguir um rumo: o social.
Um dia, Madaleno vinha correndo da USP, como de costume, para a casa de Cervi quando teve a ideia do Atados. "Empreendedorismo é isso, é ter uma ideia no estalo", conta.
O Atados nasceu com o propósito de criar um elo, por meio de uma plataforma on-line, entre pessoas que queiram fazer trabalho voluntário e organizações não-governamentais que precisam de ajuda.
Com um conceito simples e linguagem jovem, o site permite que o usuário crie um perfil e busque oportunidades de voluntariado de acordo com suas habilidades, causas que defende e região onde quer atuar.
Para unir forças, o grupo chamou um grande amigo da faculdade, João Paulo Padula, 25, que estudava em Paris quando recebeu o convite.
Abria-se, então, um mundo novo e desconhecido para os cinco estudantes: o terceiro setor. Sem experiência com trabalho voluntário, eles foram buscar o conhecimento e entender as necessidades das organizações.
Em sete meses, visitaram 70 ONGs de diversas causas e tamanhos. "Desconfiavam de nós por sermos moleques", relembra Madaleno. Mas depois de apresentarem o projeto, conhecerem a demanda das organizações e criarem um perfil para cada uma, os jovens ganharam confiança das ONGs. O site, feito por um amigo da USP, entrou no ar em novembro com 70 atos (como chamam cada trabalho voluntário).
Logo no primeiro dia, o site saiu do ar por falhas. Além disso, não havia um plano de trabalho para depois que a plataforma ficasse pronta. "Foi engraçado, nos olhamos e 'acabou o trabalho'. Percebemos aí que precisaríamos ficar sempre em contato com as ONGs", diz Tataren.
AMADURECIMENTO
Para isso, o Atados desenvolveu uma metologia para ajudar as organizações em outros processos além da captação de voluntários. Sem cobrar, passaram a oferecer palestras, apoio, articulação e assessoria sobre o trabalho voluntário. Também ajudam na captação de recursos e mobilizam as redes sociais para divulgar e buscar novos voluntários. O acompanhamento das ONGs é feito com visitas a cada três meses.
"O Atados é uma rede de possibilidades e de pessoas dispostas a novos aprendizados. São pessoas que querem viver uma vida mais simples", diz Padula. O perfil do usuário do site é de mulheres jovens, de até 27 anos.
Os estudantes investiram R$ 25 mil no projeto. Hoje, a rede social conta com mais de 25 mil pessoas cadastradas, cerca de 400 novos candidatos por mês e 280 organizações parceiras, além de ter expandido sua atuação para Curitiba e Brasília.
"O voluntariado não é assistencialismo, mas uma troca de experiências", afirma Madaleno. "Não adianta criar uma persona e pensar 'vou lá ajudar os pobres'. Tem que ser de coração para ter impacto", complementa Padula.
A renda do Atados vem de 11 contratos com empresas, que pagam para obter projetos de responsabilidade social ou voluntariado corporativo personalizados. O Atados leva os funcionários da companhia para participar de atividades com as ONGs parceiras. As organizações e os voluntários não pagam para fazerem parte da rede.
EM SINTONIA
Os cinco amigos, três paulistas e dois paranaenses, descobriram afinidades logo no começo da faculdade: a incerteza quanto ao curso e a paixão por esportes radicais e praia. "Fizemos muitas viagens juntos, moramos juntos. O Atados foi consequência", conta Padula, responsável pela formação de voluntários e da equipe ao lado de Madaleno.
A horizontalidade entre os cinco, que convivem quase 24 horas por dia, é tanta que até o salário é o mesmo. O resto da equipe, composta por mais 14 pessoas, também recebem a mesma remuneração.
Para Assunção, o fato de trabalhar entre amigos é positivo. A relação tão próxima permite ao grupo se conhecer mais, o que facilita a comunicação e a formulação de um mesmo ideal. "Falamos de trabalho em um clima bem tranquilo, como se estivéssemos falando da nossa vida", afirma. Já Madaleno questiona: "acabamos perdendo o limite do que é profissional ou amizade. Mas será que isso é ruim?".
Juntos, eles trocaram a rotina dos grandes escritórios da cidade para conhecerem causas sociais. As prioridades, a mentalidade, a forma como encaravam a vida mudaram para os cinco no mesmo momento. "Me denomino um ex-capitalista fervoroso, queria ter uma empresa para ganhar dinheiro", diz Cervi.
O Atados enfrenta problemas comuns a negócios sociais, como desafios tecnológicos, financeiros, de diálogo interno e de confiança no futuro. "Conseguimos manter a confiança porque temos um ao outro, quando um está mal o outro está bem. Não conseguiria fazer isso sozinho", diz Madaleno.
O grupo não tem plano B: eles pretendem expandir a atuação, levando voluntários para dar capacitação a estudantes de escolas públicas e particulares, além de levar os alunos para terem experiências em comunidades.
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Conheça mais sobre a Atados
A amizade surgiu no curso de administração da USP, onde todos estudavam. Do convívio entre as aulas e as conversas em bares, adicionando as frustrações com a faculdade, veio o desejo de fazer algo que fugisse do caminho tradicional de carreira no mundo corporativo. A ideia original de criar uma rede para compartilhar habilidades surgiu com Luís. O primeiro a se encantar com ela foi Daniel. Os dois empreendedores reagiram de forma diferente. Bruno topou criar o negócio e André ficou com o pé atrás, mas foi o primeiro a deixar o trabalho e a se dedicar exclusivamente ao projeto. Voltando de um intercâmbio da França, João juntou-se um pouco depois com a possibilidade de realizar seu sonho. Estava formado o quinteto do Atados. Sem familiaridade com o terceiro setor, bateram de porta em porta em instituições sociais e arregaçaram as mangas para aprender, na prática, como fazer voluntariado com qualidade. Assim conquistaram a confiança das organizações e dos colaboradores que atuam hoje no Atados em formato peculiar de horizontalidade de equipe.
A inovação do Atados baseia-se na estrutura e no modo em como utiliza sua plataforma, de fácil navegação, para conectar voluntários com ONGs além de garantir a qualidade de experiência tanto do voluntário como da organização que o recebe. Sua maior inovação não está na ideia em si do empreendimento mas na forma em que atua e como faz os indivíduos refletirem sobre o modo de trabalhar. A organização vive na procura constante por novas maneiras de atuar e encoraja tanto os colaboradores como os voluntários a criar soluções inovadoras. Oferece respaldo e curadoria para que essas ideias saiam do papel. Outro aspecto importante é o arranjo ousado de gestão. As relações de trabalho da equipe se constituem de maneira horizontal e tanto os empreendedores como os demais colaboradores recebem o mesmo salário.
O Atados conta com dois tipos de beneficiário direto: ONGs e voluntários. Mais de 280 ONGs compõe a rede do Atados, a maioria em São Paulo, mas há também organizações de Brasília e Curitiba. O site conta com mais de 25 mil voluntários cadastrados. Segundo dados das próprias organizações, o trabalho do Atados beneficiou 845 mil pessoas direta ou indiretamente.
Dois aspectos essenciais de atuação do Atados, o engajamento de indivíduos em causas sociais e a reflexão sobre o significado do trabalho, são temas relevantes para a sociedade brasileira atual.
Estudo do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) de 2013 mostra que há 15,7 milhões de pessoas vivendo na pobreza no país, dos quais 6,5 milhões estão abaixo da linha de pobreza.
Muito da assistência social depende de ONGs, com orçamentos limitados para recursos humanos. Assim, programas de trabalho voluntário estruturados ajudam a aumentar os seus impactos. No entanto, a cultura de voluntariado no Brasil ainda é pouco disseminada e muitos não sabem por onde começar a buscar oportunidades. Segundo pesquisa da Rede Brasil Voluntário, realizada pelo Ibope Inteligência em junho de 2011, 73% dos brasileiros nunca fizeram trabalho voluntário.
O olhar direcionado --ainda que não exclusivo-- para os jovens traz a possibilidade de criar uma nova cultura engajando um número substancial de pessoas. A plataforma digital tem um potencial real de alcançar novos atores, principalmente entre os jovens. Hoje, no Brasil, segundo dados de 2013 do Social Good Brasil, 18% dos usuários de internet têm entre 18 e 24 anos, e 30%, entre 25 e 34 anos. Há mais de 70 milhões de smartphones no país, e 77 milhões de brasileiros já acessaram a internet.
Outro fator que favorece o engajamento em causas sociais é que a satisfação com o trabalho é cada vez mais importante para os jovens. Uma enquete nacional do Núcleo Brasileiro de Estágios (Nube) com jovens de 15 a 26 anos apontou que 53% declararam satisfação pessoal com o desempenho como o fator mais importante no trabalho --e somente 2,35% disseram priorizar ganhar muito dinheiro.
Embora os empreendedores sejam formados em administração, criaram uma organização que tem como ideal ser horizontal e sociocrática, na qual todos têm o mesmo cargo e salários, porém com atividades diferentes, que se distancia dos modelos tradicionais. Também priorizaram o crescimento orgânico nestes pouco mais de dois anos de existência. Tem forte preocupação com as parcerias. Seus principais riscos são tecnológicos (dependência da programadora), de comunicação (para a periferia e engajamento de diferentes públicos) e possível queda nos repasses de responsabilidade social empresarial, sua maior fonte de renda.