Cura por atacado
"A senhora no vai conseguir horrio se no falar qual o tema da reunio", disse a secretria do ento ministro da Sade Jos Serra, em 2000. "S posso fazer o convite pessoalmente. Quarta que vem ele estar no gabinete?", perguntou, do outro lado da linha, Merula Anargyrou Steagall, dona da Insiders, importadora e distribuidora de utenslios de cozinha. "Sim, mas a agenda est apertada", respondeu a secretria do ministro. "Estarei a. Tenho uns compromissos em Braslia." No havia "uns compromissos" na capital federal. Mas Merula saiu de So Paulo e, no dia marcado, apareceu no ministrio. A secretria pediu que aguardasse em uma sala lotada. Ela recusou. Quando a porta do gabinete abriu, ela mencionou um conhecido do ministro. "Vamos entrar", disse ele. Merula contou que fora eleita presidente da Abrasta (Associao Brasileira de Talassemia) havia 15 dias e explicou sobre a doena de origem gentica, conhecida como anemia do Mediterrneo. O paciente tem de receber transfuses de sangue peridicas -em geral, a cada 20 dias-, alm de medicamento para eliminar o excesso de ferro do organismo.
O governo no dispunha de estatsticas, como ela queria. Mas Merula saiu de l com a lista dos hemocentros e o relatrio de compra de remdios da pasta. Sua misso era elaborar um sistema de referncia mundial para o tratamento da talassemia. Esse era o convite ao ministro. Organizou um congresso internacional e reuniu diretores de hemocentros, mdicos e pacientes. Levantou o nmero de casos, identificou lacunas no tratamento e ofereceu treinamento a mdicos. Merula, 47, investe em seus projetos com a f de quem sabe que tudo vai dar certo. Faz planos por atacado -quer polticas pblicas em vez de uma caixa de seringas; muitos filhos e no s um; conhecer o mundo em vez de ficar parada. Ela tem pressa. Sempre foi assim. Aos trs anos de idade, quando foi diagnosticada com talassemia, os mdicos disseram aos pais, os gregos Villy, 66, e Emmanoel Anargyrou, 79, que a menina viveria at os cinco. "No se apeguem", ouviram. Merula sabia que seriam mais. "Eu queria fazer tudo o que uma pessoa de 80 anos faz em 30 anos", conta. Herdou o otimismo e a determinao do pai, que saiu da Grcia em 1954 e chegou ao Brasil com US$ 2 e poucas palavras em portugus. Aqui, ele conseguiu emprego em uma metalrgica. Tornou-se empresrio e deixou para trs as lembranas da fome e da perda de parte da famlia na Segunda Guerra Mundial. "Vocs so abenoados. Tm o que comer", repetia aos trs filhos.
GOSTO DE VIVER
Para Merula, o pai repetia: "Voc gosta de viver? Ento, aproveite tudo ao mximo". Foi o que ela fez. Paraquedismo, rali, windsurfe, tudo isso est na bagagem. Tambm participou de um curso de modelo para vender roupas, de uma sociedade na agncia de turismo da famlia e da criao de importadora de utenslios de cozinha. O diminutivo que usa em certas situaes expe a importncia que d a algumas coisas: "tomar sanguinho", "vidrinhos da injeo", aguardar na "salinha de espera" do ministrio. Decidiu casar ao terminar a faculdade de administrao, aps dois anos de namoro com Denisarth Steagall, 50. Era setembro de 1991. A nica data disponvel para a cerimnia caia numa sexta-feira, 13 de dezembro. Poderia esperar dois anos. Mas driblou a superstio da me e fez a festa em trs meses.
MATERNIDADE
No mundo, eram raros os casos de mes com talassemia. Merula teve quatro filhos: Daniel, 20, Dina, 15, Roberto, 13, e Vitria, que morreu logo aps o nascimento. Em 1998, o primognito foi diagnosticado com linfoma de Hodgkin, cncer no sistema linftico. O casal consultou dois mdicos no Brasil, buscou cirurgia espiritual e viajou para os EUA para ter tratamento mais eficaz. "As clulas [do linfoma] esto necrosadas", disse o cirurgio, duas horas depois de iniciada a bipsia. O cncer no deixou marcas em Daniel, mas trouxe a Merula o desejo de ajudar. Ela achou que tivesse cumprido a misso com a Abrasta. Mas ouviu do ministro: "Por que voc no monta uma associao para cncer?". Foi a vez de ela aceitar o convite e criar a Abrale (Associao Brasileira de Linfoma e Leucemia). frente das instituies, ela tem mudado a histria do tratamento, os prognsticos, o papel do governo e a qualidade de vida das pessoas. Para Merula, vitrias em atacado so muito mais saborosas.
Assista
Conhea mais sobre a Abrale e Abrasta
O avano socioeconmico alcanado pelo Brasil nas ltimas dcadas no s aproximou a renda per capita e a sobrevida dos brasileiros dos pases desenvolvidos, mas tambm aumentou a exposio a produtos qumicos e a um estilo de vida --principalmente nas grandes cidades-- menos saudvel e mais estressante. Desse modo, segundo Paulo Hoff, diretor do Centro de Oncologia do Hospital Srio-Libans e do Instituto do Cncer do Estado de So Paulo, espera-se um grande aumento no nmero de casos de cncer no pas.
Estima-se que, em 2013, o Brasil ter 518.510 casos novos. De acordo com o estudo "Estimativa 2012 - Incidncia de Cncer no Brasil", do Instituto Nacional do Cncer, 20 mil desses novos casos sero de leucemia (glbulos brancos) e linfoma no Hodgkin (sistema linftico), duas das principais neoplasias onco-hematolgicas. Em 2008, foram estimados no mundo 351 mil novos casos e 257 mil bitos por leucemia e 356 mil novos casos e 191 mil bitos por linfoma no Hodgkin.
No Brasil, por ano, so 50 mil novos casos de pessoas diagnosticadas com linfoma, leucemia, mieloma mltiplo, mielodisplasia e outros cnceres do sangue. Se no forem tratadas e dependendo do caso especfico, algumas destas neoplasias podem levar morte rapidamente. Felizmente, com o avano da medicina, h muitos casos que podem ser curados se houver tratamento precoce assim como terapia adequada. Atualmente, existem vrios tipos de tratamento, como radioterapia, quimioterapia, cirurgia e transplante de medula ssea. comum que uma combinao dessas modalidades seja necessria para o tratamento.
Todo cidado brasileiro tem direito a tratamento de cncer na rede pblica de sade. Na ocorrncia de sintoma, deveria se encaminhar unidade mais prxima do SUS (Sistema nico de Sade), onde um oncologista pedir exames para comprovar a existncia da doena. Uma vez comprovada, o paciente poder ser encaminhado para uma Unacom (Unidade de Assistncia de Alta Complexidade em Oncologia), que capacitada para tratar os cnceres mais comuns do pas ou para um Cacom (Centro de Assistncia de Alta Complexidade em Oncologia), que trata qualquer tipo de neoplasia.
Uma terceira opo ser encaminhado a um centro de referncia como o Inca, localizado na capital fluminense, ou o Icesp, em So Paulo. Para que isso acontea, o paciente precisa ser indicado por uma unidade que pertena ao sistema de referncia do centro.
Apesar de existir uma diretriz nacional para combater o cncer, no h estrutura suficiente para atender toda a populao que necessita. No raro, ouvem-se casos de quem aguarda por anos.
Demora-se muito tambm para que o Brasil registre novas tecnologias e muito mais para que essas tecnologias ou tratamentos sejam parte dos protocolos de tratamento para os pacientes diagnosticados. A pessoa que ser tratada pelo SUS ou a que ter cobertura de um plano de sade ter de enfrentar burocracias, fazer escolhas e conhecer as opes de tratamento para poder decidir, com a equipe de sade, sobre o seu tratamento.
A Abrale nasceu para democratizar o tratamento e auxiliar pacientes onco-hematolgicos por meio de mobilizao poltica, pesquisa e apoio a paciente e familiares. "Apoi-los desde o diagnstico e durante todo o percurso de seu tratamento, ser sua ponte com tudo o que lhe de direito, empoderar paciente e famlia, colaborar com a atualizao de conhecimentos dos mdicos e profissionais da sade, cobrar das autoridades medidas e leis que facilitem a vida dos que representa" so as razes de seus programas.
Mais recentemente, por causa da demanda, a associao passou tambm a atender outras doenas hematolgicas como a PTI (trombocitopenia imune primria, uma doena autoimune). A Abrale tambm atua conjuntamente com a Abratasta (Associao Brasileira de Talassemia), que atende pacientes que sofrem dessa anemia hereditria causada pela produo inadequada da hemoglobina.
Entidades de assistncia a pacientes existem h dcadas em todo o mundo.
A inovao maior do trabalho da empreendedora social no est em "o que" faz, mas em "como faz": construiu empiricamente um mtodo prprio, eficiente e holstico, com impacto abrangente e profundo, forte influncia em polticas pblicas, excelncia em gesto e inovaes incrementais. Um de seus diferenciais reunir com maior eficcia as melhores ideias e solues pulverizadas em diversas organizaes de variadas reas.
A candidata afirma que, quando iniciou sua atuao empreendedora, "no existiam outras entidades com misses semelhantes na rea da sade". O foco dos trabalhos congneres no Brasil era prestar assistncia a pessoas com a doena em hospitais e casas de apoio com trabalho regional, sem o enfoque integral proativo e preventivo caracterstico da Abrale.
No possvel categorizar a organizao como pioneira. Porm, alguns dos projetos foram desbravadores na rea onco-hematolgica no sentido de quebrar paradigmas de demora no diagnstico, dificuldade de acesso a especialistas, medicamentos de alto custo e exames completos, reinsero social, pouco conhecimento sobre os direitos dos pacientes e dificuldade de encontrar canais de informaes confiveis sobre o tema.
A inovao tcnica o principal tipo de inovao encontrado na organizao avaliada. De uma forma transversal, ela se d com a construo emprica de um mtodo prprio e eficiente --ainda no sistematizado e de aprimoramento contnuo-- a fim de atingir a misso de "produzir e disseminar conhecimento, oferecer suporte e mobilizar parceiros para alcanar a excelncia e humanizao no cuidado integral dos pacientes onco-hematolgicos".
"Tratar o doente, no a doena"
A Abrale vai alm da assistncia com foco exclusivo na doena e oferece apoio jurdico (para a obteno de medicamentos e tratamento adequados), suporte especializado em oncopsicologia, onconutrio e onco-odontologia, alm de assistncia social, fisioterapia, fertilidade, espiritualidade e terapia ocupacional a pacientes e familiares. "Ao contrrio das outras organizaes, com enfoque nico, a Abrale atua de forma multidisciplinar, tornando-se um porto seguro aos pacientes", atesta o mdico Osvaldo Antnio Donnini, 62, diretor do Grupo de Sangue, Componentes e Derivados da Secretaria Estadual de Sade de So Paulo.
Comit Cientfico
A organizao desenvolveu a estratgia de alinhar prioridades e construir os programas com o auxilio de um comit cientfico multidisciplinar, composto de forma voluntria por grandes especialistas em onco-hematologia dos principais centros de tratamento do pas. Trata-se mdicos, psiclogos, enfermeiros, assistentes sociais, dentistas, terapeutas ocupacionais e nutricionistas com interesse no aprimoramento da oncologia no pas.
Os profissionais respaldam os programas e iniciativas da associao e colaboram na produo de conhecimentos e contedos que so transmitidos e disseminados em vrios formatos (publicaes impressas, on-line e multimdia), seja para pacientes, seja para outros profissionais da sade e do governo. Tambm colaboram para que haja interface da Abrale com os pacientes das diversas instituies/hospitais do pas.
Destacam-se o forte engajamento constatado nas entrevistas de avaliao do Prmio Empreendedor Social e o alto nvel dos profissionais, sobretudo no caso dos mdicos.
Relao mdicos-pacientes horizontal
Uma das primeiras iniciativas de Merula frente da Abrasta, em 2000, e que permanece at hoje foi a criao de um congresso que rene de forma inusitada profissionais da sade, pacientes e familiares. At hoje, esse tipo de encontro raro na rea da sade, por ir alm do foco em conhecimento cientfico ao criar empatia sem hierarquia e desconstruir o muro entre o profissional e o paciente, com vistas a sua autonomia. "A participao [dos doentes] intensa e muito prpria, com resultados surpreendentes, inclusive para os mdicos", afirma o hematologista e oncologista membro do comit cientfico Daniel Tabak, 57, considerado um dos maiores especialistas em transplante de medula ssea no pas.
Atendimento "por atacado"
Caracterstica intrnseca empreendedora social, que diz preferir o impacto em escala ao individual, a atuao "por atacado" diferencia a Abrale das organizaes que se especializam no apoio individualizado ao paciente, tambm oferecido por ela de forma personalizada, entretanto.
Com isso, a associao trabalha intensamente para impactar polticas pblicas em nvel nacional, mudar os paradigmas do atendimento em hospitais pblicos em nvel regional e realizar educao de mdicos e de profissionais da sade, levando o conhecimento de temas e aspectos relevantes para os pacientes, em nvel local, porm de maneira catalisadora.
A candidata conjugou o forte envolvimento pessoal com a causa, comum a lderes de associaes correlatas, com a adoo inovadora de mtodos e ferramentas de gesto comuns ao setor privado, trazidos de sua experincia empreendedora e reforados pela preocupao intensa com o crescimento sustentvel da organizao.
Exemplo o uso de programa de CRM ("customer relashionship managment") para relacionamento com os pblicos, com mais de 30 mil cadastros de pacientes e familiares afetados pelas doenas que representa, que, segundo ela, o maior banco de dados desse tipo do Brasil. A associao conta tambm com software ERP ("enterprise resource planning") de gesto integrada, elevados padres de transparncia e "accountability" e gestores capacitados, regularmente orientados por diretores voluntrios de alto nvel executivo.
A proposta de valor nico da Abrale pode ser expressa em seu slogan: "100% de esforo onde houver 1% de chance".
No h indcios de pontos fracos ou ameaas que coloquem em risco a continuidade do trabalho da Abrale ou da Abrasta.
No mbito da organizao, pblica a informao de que sua principal lder tem talassemia major, tipo mais grave de uma anemia hereditria causada pela produo inadequada de hemoglobina. Segundo a empreendedora social, aos 47 anos, ela hoje uma das talassmicas de idade mais avanada de que se tm conhecimento no mundo. No obstante, segue frente das duas associaes, que atualmente focalizam o processo de sucesso, estimulado fortemente pela prpria candidata.
Segundo dados informados pela organizao, a Abrale vem aumentando consistentemente o nmero de beneficirios diretos e indiretos ao longo dos ltimos cinco anos, ao passo que o oramento anual tem se mantido na faixa de R$ 3 milhes -o que pode denotar aumento de eficincia operacional.
O relacionamento com colaboradores, parceiros, patrocinadores, beneficirios e familiares aberto, acessvel e transparente, com atendimentos e/ou prestao de contas regulares.
A organizao apresenta CRM (gesto de relacionamento com clientes e parceiros) de alto nvel e credita parte de seu sucesso a esse diferencial. Anualmente, realiza um evento para reconhecimento de seus parceiros.
No existe uma avaliao sistematizada de desempenho da organizao para esse pblico relacional mais amplo.
A Abrale divide seus patrocinadores em cinco nveis:
1. Diamante (contribuem com valores acima de R$ 301 mil anuais): Novartis Biocincias e Roche Farmacutica;
2. Ouro (contribuem com valores de R$ 101 mil a R$ 300 mil anuais): Bristol Myers Squibb Brasil, Bristol Myers Squibb Company, GlaxoSmithKline, Novartis Pharmaceuticals, Schering Plough e Zodiac;
3. Prola (contribuem com valores de R$ 31.000 a R$ 100.000 anuais): Cotema Equipamentos e Peas, SEM, Genzyme do Brasil, Merck, Novartis Vaccines and Diagnostics, Phrma - Pharmaceutical Research, Roche Diagnostica Brasil, Takeda Distribuidora, The Leukemia & Lymphoma Society e United Medical;
4. Prata (contribuem com valores de R$ 2.400 a 30 mil anuais): 40 empresas e organizaes de diversas reas;
5. Empresa amiga (contribuem com valores inferiores a R$ 2.400 anuais): 11 empresas e organizaes de diversas reas.
O oramento estimado para 2013 de R$ 3.784.500.
Ao longo de 13 anos, a empreendedora social transformou as duas associaes que lidera nas principais referncias do pas -e da Amrica Latina- em defesa de pacientes com talassemia (Abrasta) e doenas onco-hematolgicas (Abrale). Tem influenciado diretamente a melhoria do acesso aos tratamentos de ponta por meio de polticas pblicas, com impacto transformador na vida dos beneficirios.
"Mesmo quando pessoas com outros tipos de cncer nos procuram, tentamos ajudar, sobretudo com indicaes e apoio jurdico", diz a coordenadora de apoio ao paciente, Melissa Abreu Pereira, 34.
No campo do tratamento em talassemia, foi a principal responsvel por fazer as polticas pblicas de tratamento da doena avanarem a ponto de colocar o Brasil como referncia internacional.
A populao-alvo da Abrale composta por todas as pessoas com cncer do sangue no Brasil, os sobreviventes, seus familiares e cuidadores, de um lado, e, de outro, os profissionais da sade que atuam nesse segmento e que totalizam mais de 1 milho de pessoas, segundo a organizao.
Em um software de CRM, a associao afirma manter o cadastro completo de 21 mil pacientes, 3.451 familiares, 6.401 voluntrios e/ou interessados na causa, 2.839 mdicos e 7.658 profissionais da sade. Ele atualizado com dados diariamente coletados, tanto na sede quanto nas regionais.
Desde a fundao, foram beneficiados diretamente 25.387 pacientes de cncer do sangue.
Como o prprio nome sugere, a Abrale j surgiu com enfoque nacional: a assembleia de criao da entidade, em 2002, reuniu 85 pessoas relacionadas com linfoma e leucemia em todo o pas. Com sede em So Paulo, hoje a organizao conta com ncleos regionais em dez Estados, em Belo Horizonte, Curitiba, Florianpolis, Fortaleza, Goinia, Porto Alegre, Recife, Ribeiro Preto, Rio de Janeiro, Salvador e no Sul de Minas Gerais.
Os ncleos contam em geral com um profissional itinerante da sade, que auxilia o paciente regionalmente na superao de barreiras que o impeam a realizar do tratamento adequado pelo sistema de sade. Monitoram os centros de tratamento com visitas regulares e coletam dados para a interface em polticas pblicas entre a Abrale e o governo. Tambm divulgam os servios prestados gratuitamente pela associao, realizam distribuio de material didtico e educativo, alm de campanhas de conscientizao sobre as doenas e tratamentos.
O enfoque internacional se d por meio da rede Alianza Latina, criada em 2007 pela candidata para compartilhar entre organizaes com misses similares a reproduo de programas da Abrale no Brasil. A rede composta por 72 organizaes em 19 pases da Amrica Latina mais EUA, Espanha e Portugal, objetivando que as entidades se profissionalizem, ampliem a captao de recursos e melhorem o dilogo com os governos.
A replicabilidade varivel.
invivel replicar integralmente o trabalho que a candidata desenvolveu ao longo de sua histria, ligado intimamente a suas caractersticas empreendedoras. Contudo, grande parte de seus conhecimentos e aprendizados adquiridos podem ser apreendidos por outras organizaes e em outros contextos, como j comprova com a Alianza Latina.
um dos pilares fundamentais do trabalho da candidata na defesa de pacientes com talassemia e cncer do sangue. Estruturou, assim, uma rea de polticas pblicas com uma gerente advogada com slidos conhecimentos na rea e, desde maio, um diretor de alto nvel, o ex-presidente do CRF-SP (Conselho Regional de Farmcia) e da Anvisa --rgo responsvel pelos registros de novos medicamentos no Brasil-- Dirceu Raposo.
"Estamos mapeando todos os deputados que atuam com sade e terceiro setor, em detalhes, como se tm ou tiveram um filho diagnosticado [com cncer]. O fato de eu ter conquistado respeito no Congresso e ter boas relaes com autoridades do governo, como com o atual presidente da ANS [Agncia Nacional de Sade], autoridades de vigilncia sanitria nos Estados e secretrios de sade, abre portas", ressalta Raposo, que se dedica em regime parcial de duas vezes por semanas Abrale/Abrasta.
A chegada de Raposo dentro do recente processo sucessrio e de profissionalizao da organizao deve intensificar o impacto em polticas pblicas que, segundo a empreendedora social, vasto em sua trajetria.
A estratgia da organizao para alcanar os objetivos mapear as necessidades considerando a vivncia dos pacientes, familiares e profissionais da sade e, com base nas lacunas identificadas, atuar em seus diversos programas e projetos.
Entre as principais lacunas declaradas pela candidata esto
- Carncia de conhecimento sobre as doenas e tratamentos;
- Falta de acesso a especialistas;
- Dificuldade de acesso aos medicamentos e toda a estrutura multidisciplinar para um tratamento adequado;
- Desconhecimento sobre os direitos dos pacientes;
- Reinsero ao convvio social;
- Seguir criando canais de comunicao e abrindo espao na mdia para o tema;
- Demanda por cursos de reciclagem por profissionais da sade;
- Falta de registros epidemiolgicos e monitoramento do sistemas de Sade no Brasil e na Amrica Latina;
- Pouco incentivo pesquisa cientfica e ao desenvolvimento de novos medicamentos no continente sul-americano.
Seu mtodo de atuao, criado empiricamente ao longo de sua histria, baseado em quatro pilares interconectados que balizam todos os servios da associao: apoio ao paciente, educao e informao, polticas pblicas e pesquisa.
Alianza Latina
Rede que promove a capacitao de organizaes de apoio a pacientes com doenas do sangue, oferecendo-lhes treinamento e servios gratuitos, como acesso a especialistas, ferramentas de gesto e informaes atualizadas.
Projeto Dodi
Em parceria com o Instituto Maurcio de Sousa, tem o objetivo de desenvolver um programa educativo voltado a crianas hospitalizadas com cncer, para tentar amenizar o sofrimento e integrar a criana e seus familiares ao tratamento. Foram criados gibis, materiais de apoio para a equipe mdica, psteres etc. Os pacientes recebem junto com o material educativo um boneco.
Programa Alliance
Dirigido a pacientes com leucemia mieloide crnica (LMC), o Programa Alliance - Suporte ao Paciente consiste em pesquisa realizada por telefone com os pacientes cadastrados na entidade, voltado ao entendimento do fluxo no sistema de sade desde o diagnstico, alm de aspectos ligados qualidade de vida e adeso ao tratamento.
O programa tambm tem como objetivo educar, motivar e estimular a adeso do paciente ao tratamento, esclarecendo aspectos da doena e a importncia de seguir as orientaes da equipe de sade, para que sejam alcanados melhores resultados com o tratamento.
Abrale Beleza
Tem por objetivo resgatar a luz prpria das pacientes, ajudando-as a enfrentar os obstculos trazidos com o diagnstico por meio de sua autopercepo e imagem. So realizadas oficinas de maquiagem nos centros de tratamento, e as mulheres ganham kits de maquiagem e aulas de automaquiagem
DEPOIMENTOS
"O choque do diagnstico terrvel. [Meu filho Guilherme, na poca com trs anos e nove meses,] tinha leucemia. Eu conhecia a doena: sou biloga e fiz doutorado sobre cncer. lindo ver as clulas se reproduzirem no microscpio, mas as coisas mudam quando isso acontece em um filho. Achava que ele no ia resistir. O tratamento comeou em 2007. Nessa poca, fiz meu primeiro contato com a Abrale. a nica associao que conheo nessa rea que presta servios jurdicos, d assistncia psicolgica e oferece apoio. Sempre gostei da troca que existe entre familiares, mdicos e psiclogos. Ela organiza cursos muito bons, que eu participava como me e profissional. Falavam de novos medicamentos, protocolos, o que fazer para consegui-los. Quando a doena do Guilherme regrediu, em 2009, os mdicos aconselharam um transplante de medula. Fizemos o teste e descobrimos que o Gustavo [o caula, ento com seis meses] e ele eram 100% compatveis. Tudo correu bem at a alta. O problema comeou no ambulatrio. Era tudo misturado, adultos e crianas: 99% eram maltratados. Reclamava, sem resposta. Escrevi uma carta e enviei para os conselhos de medicina, os diretores do hospital, a Abrale. Durante um congresso, a Merula [Steagall, presidente da Abrale] apareceu com a minha carta. A Abrale fez o papel dela: questionar e tirar satisfaes. As pessoas que indiquei foram direcionadas para cargos administrativos. O ambulatrio foi dividido entre crianas e adultos. Retomei minha vida. Meus filhos esto saudveis."MARIANA DA ROCHA PIEMONTE, 38
biloga, me de Guilherme, 9, e Gustavo, 6
Frases sobre a empreendedora social e seu trabalho
"Os mdicos aprenderam a tratar talassemia [a partir da eleio de Merula para a presidncia da Abrasta]. Tinha muito paciente morrendo. Hoje eles morrem de acidente de carro, no por causa da doena. Ns j fizemos sete conferncias internacionais [com mdicos e pacientes]. Antigamente, a gente comprava filtro [que conectado bolsa de sangue durante a transfuso para a remoo de leuccitos, para no haver reaes como febre no receptor]. Cada uma custava R$ 80. Meus filhos [que tm talassemia] tomavam duas bolsas. Hoje so trs. L vai a Merula falar com o [ento ministro da Sade] Jos Serra. Dali a pouco, j estava aprovada [a obrigatoriedade dos filtros no SUS]. O tratamento mudou radicalmente. Meus filhos esto vivos por causa dela, pela atualizao do tratamento." CLAUDIA VELLOZO, 51
me de dois jovens com talassemia e tesoureira da Abrasta
"A tendncia da rea de sade se fechar para profissionais. Tive a oportunidade de rodar o mundo e vi dois lugares que combinam [mdicos e pacientes em eventos]: a Abrale e a Federao Internacional de Hemofilia. A Abrale e a Merula tiram esse abismo entre eles. O paciente tem que saber o que tem e quais so suas opes de tratamento." LUIZ VALENTE SOARES JNIOR, 43
membro do Comit de Odontologia da Abrale
"A terapia ocupacional pouco conhecida, ainda mais em onco-hematologia. Com a Merula e o suporte da Abrale, comeamos um levantamento dos profissionais. Em 2008, eram 14. Hoje, so 90. A partir disso, publicamos um livro. No comit de terapia ocupacional da Abrale, encontramos um espao de fortalecimento da profisso. uma das poucas associaes que no v a profisso como algo recreacionista. O comit tem foco educativo para o paciente e o profissional e de apoio assistencial. Temos artigos cientficos, publicaes em revista e cursos. Alm disso, desenvolvemos educao a distncia, que fica no site, chat, palestras e oficinas."
MARLIA OTHERO, 30 coordenadora do Comit de Terapia Ocupacional da Abrale
"No hospital [enquanto estava um ms em internao para o tratamento de leucemia], olhando a internet, cheguei a um santo chamado Abrale, que um porto de conhecimento e ajuda. Em 2006, frequentei bastante a associao e recebi apoio psicolgico e jurdico total. Tomava um quimioterpico brando e teria que fazer um transplante, mas no havia ningum 100% compatvel. Achei a droga nova na internet. Na Abrale, j conheciam o medicamento e sabiam de mais novidades ainda. Consegui, pelo setor jurdico [da associao], a liberao desse medicamento, que de uso contnuo. A partir dessa deciso judicial, todos tiveram acesso. Foi a esperana. A informao d segurana, tranquilidade. A Merula busca muito conhecimento. Eu perguntava: O que voc acha disso? Ela o intermedirio para eu, como leigo, entender o que melhor. Se a pessoa no tem informao, essa doena destruidora. Voc no sabe o que fazer, onde est, o que funciona, o que deprime. Tem que ter algum que possa te ajudar do outro lado. A fora para te fazer aceitar que est ali dentro. Tcnicas para te fazer levantar." ALCIDES PAIOLA NETO, 49 professor de educao fsica, que est em tratamento de leucemia desde 2006