Msico afina jovens para compor destino
Tocando com seus meninos e meninas, ele divide as responsabilidades para transform-los em protagonistas
Como bom artista, o percussionista Flavio Pimenta, 49, declara-se movido a paixo. E sempre embala no ritmo de uma para compor sua histria.
Foi assim com a msica. O menino que tocava corneta na fanfarra da escola primria se interessou pela bateria, e o flerte com baquetas logo virou caso srio. Aos dez anos comeou a estudar percusso erudita.
Sob o olhar desconfiado dos pais, equilibrava-se entre as tarefas da escola e as das bandas -aos 12 j gravava profissionalmente e, aos 14, caa na estrada. Para comprar a bateria, foi trabalhar como office-boy.
Afinada a carreira de baterista, passou os anos 70 tocando em bares e gravando. Aps o nascimento da filha, em 1981, passou a dar aulas em conservatrios, montou escola de msica e estdio de gravao, fez trilhas e vinhetas publicitrias. Tudo para comprar uma casa.
Um dia o combustvel acabou. Em meados da dcada de 90, separado da mulher e desanimado com as perspectivas de sua carreira, ele decidiu sair do pas rumo aos Estados Unidos. "Sozinho, comecei a ficar muito triste aqui. Faltava uma razo para continuar, um sonho."
Foi uma cena familiar que o fez mudar os planos. Caminhando pelo Morumbi, bairro nobre na zona oeste de So Paulo, avistou meninos toa na praa Vinicius de Moraes e perguntou se no queriam formar uma banda com ele.
Desconfiados, os meninos foram. Voltaram. E trouxeram amigos. Como diz Flavio, "uma pessoa sozinha, em percusso, no faz o vero". Como j no cabia na casa, o bloco foi ensaiar na rua. "Acabei me apaixonando. Voc s sabe o quanto forte quando, com o que possui, transforma o outro."
Sonho coletivo
Os vizinhos no gostaram nada da histria: chamavam a polcia e jogavam ovos. E Flavio distribua cada vez mais instrumentos: "Dizia que amos ter prdio, computador, tocar fora do Brasil. Alcanamos tudo".
Hoje 4.000 meninos e meninas de todas as idades, muitas cores e diferentes origens sociais j tiveram aulas de percusso, canto, dana, capoeira, ingls e informtica, entre outras.
Na quadra de ensaio, o percussionista no divide s as baquetas. A cada um cabe a responsabilidade pela evoluo da banda - o que Flavio chama de "empoderamento".
"Isso reflete para a vida: eu posso, eu alcano, eu vou lutar. No atender a misria o que me atrai, e sim a idia de a gente conseguir ser cada vez melhor, de que eles so protagonistas e responsveis por isto aqui."
"Na favela no tinha expectativa, s via coisa boa na TV. A banda foi me mudando: ganhei amigos, fui tocar em Londres" - LUCIANO JOS GERALDO, O "PAVILHO", 28, operador de udio da banda