Dentista recupera sorrisos perdidos
Como num passe de mágica, crianças resgatam a auto-estima; projeto tem 1.050 voluntários
Quem abre um belo sorriso consegue muita coisa. O dentista Fábio Bibancos, 43, sabe bem disso. Com o seu, largo e franco, cativa colegas e financiadores e faz crescer a Turma do Bem, que atende crianças e adolescentes de baixa renda com graves problemas bucais.
Como esse bem-humorado paulistano não é o tipo de cara que gosta de rir sozinho, divide a alegria com esses jovens que, como num passe de mágica, voltam a sorrir e ganham confiança para conversar, flertar e até buscar o primeiro emprego. "O foco não é a boca, mas o bem-estar do indivíduo", diz.
Ainda no colégio, o menino nascido no Ipiranga (zona sul), que se avizinha a uma das maiores favelas do país, a de Heliópolis, teve o primeiro contato com o outro lado do muro. "Estudei em colégio jesuíta e uma hora precisava escolher entre esporte e trabalho social. Detestava ficar com a turma dos atletas, toda aquela competitividade, então entrei para a alternativa, que tocava violão e ia para a favela."
Tentação
O menino tomou gosto pela ação social, mas não sucumbiu à tentação de virar padre. "Tudo o que a gente queria fazer de gostoso era proibido", sorri, ladino. Para conciliar a vontade de ajudar os outros à habilidade manual, decidiu ser dentista.
Em tempos de abertura política, descobriu a força de lutar pelo que acha justo, como mais democracia na universidade -com direito a discurso libertário na festa de formatura. "Meu pai morria de medo do 'dópis' [o extinto Departamento Estadual de Ordem Política e Social]", relembra, caprichando no sotaque italiano.
Formado, não demorou para voltar a ter um pé em cada mundo. Seu amigo Marco Ricca, ator, foi trazendo a seu consultório alguns colegas de profissão. O boca a boca cresceu tanto que Fábio ganhou o apelido de "dentista das estrelas".
Retomou as ações sociais, como a idealização do "Adotei um Sorriso", da Abrinq (associação de fabricantes de brinquedos). Perfeccionista, saiu por achar que podia melhorar e, aos poucos, foi montando a Turma do Bem, que, além de 650 dentistas, reúne 400 voluntários que trocam correspondências com crianças que vivem em abrigos.
Encrenqueiro
Usando seus instrumentos, Fábio quer tratar o que o sistema público não atinge. Para isso, a Turma do Bem vai a escolas públicas e aplica um questionário chamado de índice de prioridade para saber quem mais precisa de tratamento.
"Cárie pequena, aplicação de flúor, eu não pego. Só tratamos o que o Estado não cobre", reforça. Fábio está sempre pinçando os profissionais perfeitos para o projeto e ensina coordenadores regionais a replicar sua estratégia. "Sabe aquele encrenqueiro, aquele que não se conforma? Esse que tem veia para o projeto."
De colega em colega, já providenciou tratamento a 1.150 crianças e adolescentes em 150 cidades do país. Todos são atendidos até os 18 anos e em consultórios particulares. "Todos merecem tratamento, mas não em qualquer lugar. Quero que os dentistas atendam em seu consultório, onde têm os melhores equipamentos e oferecem qualidade máxima."
Apesar de se confessar um grande controlador quando se trata das rédeas do projeto, não quer tudo para si. "É difícil ser o chefão. Eu gosto de dividir."
"Temos um enorme poder de articulação no consultório"
BRUNA MARTINS FONTES
da Folha de S.Paulo
Na faculdade, Fábio Bibancos teve uma disciplina de atendimento a comunidades carentes, mas não aprovou a experiência. "Foi horrível, catastrófico. A gente extraía dente, e o cara cuspia no balde. Não era daquela maneira que eu queria ajudar", lembra.
Fora dos bancos escolares, ele começou a perceber que o dentista tinha em mãos um instrumento decisivo para transformar a realidade que o cerca.
"Os dentistas têm um baita poder. Nós somos profissionais da elite, por nossas cadeiras passa gente muito importante: políticos, empresários, jornalistas. Temos um enorme poder de articulação dentro do consultório, com pacientes fidelizados, já que alguns tratamentos são demorados. Precisamos, então, saber articular o que cada um pode fazer para ajudar", raciocina.
Um contestador constantemente em movimento, Fábio não pára um segundo de pensar em como aprimorar o atendimento. Professor, autor de livros e mediador de um "vídeochat", aposta no conhecimento para melhorar a vida das crianças que atende.
"Na faculdade, a gente era obrigado a fazer aquilo e não tinha muito respaldo científico para discutir. Fui atrás de aprender para melhorar e poder dar informação para que as pessoas possam decidir o que é melhor para si, em vez de ficarem totalmente à mercê de um diagnóstico."