Museu de colecionar gente obra da vida de historiadora
Arquivo que rene e conta histrias de pessoas comuns nasceu do prazer quase proibido de ouvir a conversa alheia e do real interesse pelo outro
Ela difcil de rotular. E sabe disso. Quando Jonas, 5, traz tona sua curiosidade infantil e insiste em entender qual a profisso da me, ela responde: "Eu gosto de contar a histria das pessoas".
No satisfeito, ele retruca: "Voc deveria ser advogada", uma atividade, ao que parece, j domada pelo imaginrio dos pequenos.
Karen Worcman, 43, est acostumada s perguntas. uma historiadora que escolheu a tangente entre a docncia e o concurso pblico e desenvolveu um projeto que desafia rtulos. Por isso seus interlocutores sempre a observam, em princpio, com olhos questionadores.
"O museu algo difcil de encaixar. Minha profisso, tambm. J aprendi a conviver com isso", pondera. "So conceitos difceis de serem explicados, acho que porque so inovadores mesmo."
Bota inovador nisso. A idia que Karen formatou a de um museu sem paredes, mas com endereo fixo, aonde as pessoas no vo para ver, mas para serem vistas. Alm disso, ela quis dar voz justamente queles que no so ouvidos, queles quaisquer, que tm histrias boas para contar justamente por serem comuns. E criou um museu de colecionar gente.
No acervo virtual (www.museudapessoa.net) h depoimentos registrados em udio, vdeo e texto. A ele podem ter acesso tanto os que pretendem contar como os que querem ouvir histrias de vida. O museu conta com 18 programas de formao, 54 projetos de memria institucional, alm de 4.600 depoimentos cadastrados.
Influncias
A idia nasceu de um estalo. Eram meados da dcada de 1980; o cenrio, os corredores da Universidade Federal Fluminense, no Rio de Janeiro, onde Karen buscava ferramentas para entender como a histria se formava. "A forma como encaramos a realidade depende da histria de cada um. Eu tenho, desde criana, um interesse grande pelo outro."
Nascida em uma tpica famlia judaica, Karen teve na figura do pai, um imigrante polons fugido da guerra, o exemplo maior de vida e dedicao. "Ele era uma pessoa altamente empreendedora e me ensinou que as coisas deveriam ser construdas, criadas."
As histrias de famlia, que povoaram toda a sua formao, foram decisivas para que a historiadora enxergasse o mundo a seu modo e se interessasse pelo que os outros tinham para contar.
Foi durante o ensino mdio, na efervescncia dos movimentos estudantis contra a ditadura, que Karen se engajou de vez no compromisso de olhar o outro.
O trip de influncias foi completado por uma caracterstica determinante: a angstia de descobrir seu papel no mundo a fez recusar os modelos tradicionais. Conceber um projeto inovador foi como acalmar muitas perguntas que lhe tiravam o sono.
As mos geis confessam a inquietao da mulher que as carrega. difcil no se sentir logo ntimo, puxar um banco e estender a conversa. Karen diz: " dom, o que se h de fazer?", e logo solta um segredo que a revela por inteiro: "Eu adorava ouvir a conversa dos outros quando era pequena".
Aos poucos, tanto Jonas como o mundo vo entendendo o que essa mulher pretende -e no pouco. "Sou ambiciosa, completamente abusada", diz, mais prxima da servido que da soberba.
E resume a si mesma: "Eu sou movida a muitas perguntas e me fascino com o que os outros me contam. Ouvir histrias como colecionar outras vidas".