Desafiadora, sociloga mobiliza 20 mil pessoas
Exilada na ditadura militar, capit da Universidade Solidria nunca conseguiu ser 'cidad comum'; sua ao j rendeu projetos em mil comunidades brasileiras
F de futebol, apaixonada por sapatos diferentes e eternamente ligada em alta voltagem. Fala gil e gestos contundentes, dona de um sorriso que desmonta o interlocutor, que ela encara sempre com meiguice e determinao.
Assim a sociloga Elisabeth Vargas, 57, a fora motriz que imprime ritmo e dinmica aos projetos da UniSol - a Universidade Solidria que ajudou a fundar h dez anos e que dirige at hoje.
Beth, como conhecida, coordena a arrecadao de recursos e a articulao das parcerias entre universidades (pblicas e privadas), empresas, organizaes e prefeituras, peas fundamentais para que o trabalho acontea.
A clareza com que vislumbra a magnitude dos projetos e a defesa ardorosa que faz de suas opinies (nem sempre palatveis aos patrocinadores) contaminam todos os que descobrem a UniSol.
"Sei que sou meio briguenta e centralizadora, mas no tenho medo nem de cara feia nem de poderoso. Sou muito exigente comigo mesma e tenho um lado prtico, de tomar atitudes, que traz segurana equipe", afirma.
O comando funciona. Sob a coordenao dela, a UniSol tornou-se a nica organizao brasileira capaz de mobilizar 20 mil estudantes voluntrios e 200 universidades pblicas e privadas para uma mesma causa: implementar projetos sociais em cerca de mil comunidades brasileiras.
Exlio
Natural de Roca Sales (RS), filha nica de uma professora compenetrada e de um mecnico de idias libertrias, adorava a companhia do pai. "Ele me levava ao estdio para ver futebol e me incutia ideais polticos. Foi pracinha na Segunda Guerra e sempre discutia temas democrticos em casa. Eu tinha 13 anos quando Jnio Quadros renunciou, e meu pai me carregou com ele para Porto Alegre. Foi se alistar no Grupo dos 11, formado pelo Leonel Brizola para se opor aos militares. Durante a viagem, dizia: 'Voc vai ser enfermeira da guerra civil'."
Aos 16, ela j havia lido o "Manifesto Comunista" e livros de Karl Marx. A guerra civil no veio, mas o golpe que levou os militares ao poder em 1964 mexeu com os brios da moa. Ela, que sempre sonhara com um mundo mais igualitrio, j estava cursando Histria na Universidade Federal do Rio Grande do Sul quando foi fisgada pela militncia do Partido Operrio Comunista. "Passava mais tempo no centro acadmico do que nas aulas", conta.
Assumir posies de confronto aos militares era pr a vida em risco. "Meu apartamento foi invadido, chegaram a torturar uma amiga, que nunca participou de nada, para saber do meu paradeiro. Eu e meu namorado [o economista Jorge Mattoso, atual presidente da Caixa Econmica Federal] tivemos de mudar para So Paulo."
Quando a coisa apertou, os dois fugiram. Ela morou no Chile, na Sua e na Frana. "Foi l [em Paris] que comecei a me tornar feminista. Os companheiros comunistas admiravam a militncia das mulheres, desde que ficassem longe de cargos importantes."
Foi l que botou na cabea que queria ser me. Tinha 30 anos quando nasceu Francisco e, pela primeira vez, permitiu-se pensar em si mesma. "Percebi que nunca tinha vivido como cidad comum." Em 1978, voltou ao Brasil.
"Jamais consegui pensar minha existncia desligada de uma ao social", diz. Amiga da ex-primeira-dama Ruth Cardoso, acabou trabalhando no comit de criao do Comunidade Solidria, que seria o embrio da UniSol.