Nascido em Santo Anastácio (SP), em 1978, é autor de 'Esquimó' (Cia. das Letras, 2010) e 'Golpe de Ar' (Ed. 34, 2009). Escreve aos domingos, a cada duas semanas.
Crônicas
Queixo
Aprendi esses dias a expressão "no limpa queixo".
Atrasado e com sede, o cara entra no boteco mais próximo, encosta no balcão, pede uma cerveja e a bebe de pé, num gole ou dois. A pressa faz o líquido escorrer pelo pescoço. Ele dá um passo pra trás, bota o maxilar pra frente e passa a mão, como se fosse uma toalha, como se fosse uma navalha, na pele umedecida -depois a agita no ar, livrando-se das gotas bêbadas. Paga a conta com uma nota pequena pra não ter que esperar pelo troco. Volta pra rua satisfeito e balão.
Ilustração Guazzelli | ||
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Né
Segundo amigos mais velhos, nos anos 80 havia centenas de pastelarias em São Paulo. Na década seguinte a vigilância sanitária fechou boa parte delas por causa das más condições de higiene.
Contam que, numa dessas inspeções, um agente entrou numa cozinha da Liberdade e encontrou, diante de uma frigideira cheia de óleo fervente, uma senhora japonesa muito gorda inteiramente nua. Segurava uma escumadeira na mão direta e na esquerda um lenço, com o qual enxugava o suor. Quando percebeu o visitante, virou a cabeça pra trás, na sua direção, e sem a menor timidez disse:
- Calor, né?
Depois lhe deu as costas e continuou a fritar pastel.
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G
Na fila do mercado, uma velha diz pra outra:
- O meu só gosta de bobageira.
Bobageira. Há quanto tempo eu não ouvia essa palavra mágica.
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Homerinho
À uma da manhã de algum dia de semana, quando passavam em frente aos bares do Baixo Gávea (Rio de Janeiro, 1973), o motorista parou o ônibus, apertou o botão de abrir a porta -que fez aquele barulho de pneu furado-, olhou pra trás e gritou pra meia dúzia de passageiros semi-mortos, parte deles dormindo com a cabeça contra o vidro da janela:
- Pausa para o chope do chofer!
Meu amigo não teve dúvidas. (Ouvindo-o contar a história, dava pra perceber seu orgulho por ter sido tão rápido). Correu atrás do motorista e bebeu com ele.
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Sob
Hoje é dono de uma oficina mecânica e vive bem. Tem moto, carro, sítio, os filhos estudam em colégio particular e nos finais de semana reúne os amigos pra comer picanha ao redor da churrasqueira, enquanto as mulheres tomam sol à beira da piscina do sobrado que ele mesmo desenhou e construiu.
Há vinte anos estava no Japão, recém-casado com uma nissei, com quem vive até hoje, e trabalhava quinze horas por dia. Sente saudades de lá. Gostava dos japoneses. Gostava especialmente de, na época das maçãs, sair de casa bem cedo e caminhar sob as macieiras carregadas de frutas maduras. As macieiras na calçada. A cada dez metros uma árvore cheia de maçãs vermelhinhas ao alcance da mão, e ninguém pegava nenhuma. "Se fosse no Brasil a gente pegava", diz. Dava vontade de pegar. Mas ninguém pegava nenhuma. E ele também não pegava.
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